Neste confuso ano nós, terapeutas, fomos desafiados a reorganizar as estruturas para continuar com os atendimentos de forma remota. Ainda que muitos de nós já fizessem atendimentos online, não trabalhávamos prioritariamente deste modo ou pelo menos não o fazíamos todo tempo.

Levar todos (todos!) os atendimentos para plataformas online exigiu ajustes repentinos. Os consultórios passaram para nossas casas, que precisaram ser replanejadas para nos dar todo conforto e privacidade possíveis naquele momento. Estávamos todos nos refazendo e criando novas formas para viver diante do que nos impunha a situação. 

Dentre os muitos ajustes, percebi logo no segundo mês de isolamentoque precisaria comprar uma poltrona, pois descobri, com surpresa, que nenhuma cadeira de minha casa era confortável o bastante para permanecer sentada por longos períodos diariamente. Logo adiante, um tablet antigo substituiu o celular nos atendimento – e foi ótimo ver os pacientes maiores. Alguns meses depois, os fones de ouvido, fiéis companheiros até então, começaram a me machucar . Comprei um  novo tablet e passei a usá-lo em “viva-voz” e adorei a sensação de ouvir as vozes no ambiente, não mais “dentro da cabeça”, estratégia que permanece funcionando até hoje.

Meses passaram, muitos mais do que eu previa, os  pacientes conheceram meu cachorro, souberam das obras dos vizinhos, compartilharam a chegada de compras online, apreciaram os quadros e plantas que tenho na parede e descobriram minha inquietude, denunciada pela continua mudança de cenários ao longo do tempo em que ofereci minha casa aos atendimentos.

Precisei da compreensão da minha filha, que foi para casa do pai durante a semana e retornava à nossa casa na sexta-feira para o final do dia. Contei com a gentileza de amigos sobre  recusas frequentes à participação de encontros online. Descobri o quanto meu cachorro pode ser colaborativo e um gentil companheiro de setting. 

No início, precisei de muito tempo em silêncio, experimentando tanta quietude quanto fosse possível. Li, desenhei e escrevi como há muito tempo não fazia. Encontrei nas plantas um agradável lugar sem palavras ( nem ditas, nem ouvidas), cuidei de cada uma com toda dedicação possível. Elas foram gentis. Sobreviveram aos meus esquecimentos de rega, de poda, ao excessivo tempo deixadas ao sol ou à chuva. 

Hoje há mais plantas em casa do que eu poderia imaginar e assim permanecerá. O mesmo aconteceu no consultório. Os atendimentos online continuam, não mais em casa. Eu e o tablete retornamos ao consultório. 

Muitas coisas mudaram, outras permanecem, tal qual as muitas conexões feitas entre aquele longínquo mês de março e este outubro de um ano que nos desafiou a construir desvios em rotas que nem sabíamos onde nos levariam. 

Assim permanecemos, criando e recriando; saídas, rotas, conexões e encontros.

Laura Ferreira


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